O Natal já passou. Mas os preparativos para a grande festa do réveillon, para receber o ano novo que chega, estão em polvorosa. Estamos numa casinha modesta da Rua da Elegância, no Bairro do Ritmo, da cidade do Partido Alto. Enquanto na cozinha peru, pernil e frango vão sendo assados, no fundo do quintal as bebidas vão sendo colocadas no gelo. Tudo ao som de cds, que mais tarde serão substituídos pelos acordes do cavaco e do banjo, sustentados pelo toque dos pandeiros e tantans.
Porém, isolado no canto da sala, como se nada estivesse acontecendo, está o pequeno Chico Preto, de 14 anos, precoce compositor do Bloco da Harmonia, a grande sensação do carnaval de sua rua. Pensativo, o jovem idealista, ao invés de embalar no espírito natalino, preocupa-se com os caminhos a serem percorridos pelo samba, gênero musical a que tem se dedicado muito.
Lá, Chico Preto conhece diversas escolas onde as crianças aprendem a tocar corretamente os ritmos da terra. Além do samba, elas conhecem o xaxado, maracatu, carimbó, calango e o xote, entre outros. E aprendem com aqueles músicos que, praticamente, moram nos estúdios de gravação ou tocando nos palcos do mundo. Em seus currículos escolares, muitos dos textos utilizados nas aulas de Português, levam a assinatura de gabaritados compositores. Entre outros pontos, os alunos ficam sabendo que, por exemplo, a famosa bossa nova nada mais é do que samba, como costumava dizer o mestre Tom Jobim, um de “seus pais”. E que essa história de samba de raiz e de que, pagode e samba são completamente diferentes, está muito da mal contada (mas isso é assunto para outra coluna que irei escrever).
Um pouco bobo com as situações que vai registrando, Chico continua sendo guiado pelo anjo. E, como se estivesse voltando no tempo, os sambistas que passam por ele exibem a elegância comum em tempos idos. E lá vão eles, com alinhados ternos de linho, chapéu, sapato bicolor brilhando. O jovem compositor vai se entusiasmando e começa a procurar as escolas de samba, sua grande paixão. Ao chegar a uma delas, se dá por satisfeito ao saber que os temas dos samba-enredos resumem sempre momentos importantes da nossa história, de fatos ou pessoas que realmente mereçam tais homenagens, ao invés de temas apenas engraçados que naturalmente ficariam esquecidos pelo tempo. Fica sabendo também que empresas ajudam no patrocínio, caindo por terra os enredos vendidos. E se emociona ao saber que as disputas dos sambas voltam a ser como antigamente, quando os melhores sambas ganhavam mesmo e até os compositores dos outros sambas os retiravam da disputa, por conta da qualidade destes adversários.
Por fim, neste lugar, Chico Preto fica pasmo com as muito bem feitas produções, tanto no mercado dos CDs, Dvds e Clips, quanto no dos shows, com os artistas viajando constantemente para outros estados e países, exibindo sua arte. Quase no fim do belo passeio o anjo ainda lhe conta dos muitos lucros que o samba deixa nos cofres públicos, como atração turística. E Chico Preto dorme como anjo. Com uma expressão de completa felicidade.
Até que o menino sonhador aparece no quintal, ainda com uma carinha de sono e uma expressão de dúvida. Pega no cavaco e manda um samba novo, enquanto sua irmã distribui panfletos com a letra para as pastoras ajudarem no coral. Ele toca olhando para o céu. Vendo uma brilhante estrela, pergunta: “mas que lugar é esse?”
Ah, e um feliz ano novo. E que este lugar do sonho do menino Chico Preto consiga inspirar nossa realidade. Que em 2011 o samba consiga desbravar ainda mais este mar de dúvidas e preconceitos que muitas das pessoas que decidem em gravadoras e casas de show, por exemplo, ainda possuem. E é bom ficar por aqui, para não levantar uma polêmica sem fim...
Feliz Ano Novo
Por Marcos Salles
Muito bom esse conto. Que esse lugar venha aser o Rio de Janeiro. E que as pessoas que possuam o poder de tomar as decisões que levem a esse patamr tão sonhado, pense no samba verdadeiramente como um tesouro brasileiro.
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