quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mestre Marçal – A boa malandragem de um bamba inesquecível



No final do ano de 1993 ganhei um presente dos céus. Tive a honra de dirigir e estar no palco conduzindo, com a cantora Karla Prieto, o show de uma lenda viva do samba. E foi aqui na Lapa. No Casa Branca (nome que o Asa Branca teve por algum tempo). Marçal Entre Amigos era o nome do show deste personagem, dos mais folclóricos da galeria do samba. Ele é Nílton Delfino Marçal, sinônimo de elegância, de ritmo e mais conhecido como Mestre Marçal. Era pra ser apenas um final de semana, mas foi tão bom e tinha tantos amigos querendo participar que virou uma temporada de um mês. E tive a sorte de ter feito o roteiro, levado pelas boas histórias deste fantástico sambista.



Para os que não sabem, Mestre Marçal, que nos deixou em meados de 1994, trazia o samba na veia. E trazia mesmo, por ser filho de um baluarte do início das escolas de samba, o compositor Armando Marçal, da dupla Bide e Marçal, bambas do Estácio. A dupla, aliás, participou com Ismael Silva na fundação da Deixa Falar, primeira escola de samba. Mas isso é papo pra outra coluna. Nesta, ficamos com Mestre Marçal e sua manha de bom malandro, termo tão desgastado nos dias de hoje.

Ele nasceu em 1930, no subúrbio carioca de Ramos, e aos nove anos de idade já desfilava na Recreio de Ramos, atual Imperatriz Leopoldinense. Sua especialidade era a percussão. Do tamborim à cuíca, passando pelo instrumento que você quiser, ele dava show. Ao lado de Luna, Eliseu e do baterista Wilson das Neves formava um time da elite dos músicos de estúdio. E num tempo em que os estúdios de gravação não tinham os canais separados. Tinha de ser de primeira, para não ter de começar tudo de novo.

Em sua trajetória na música o que Marçal tinha de talento tinha também de figura. Ele era uma figuraça de carteirinha. E suas histórias são repetidas nos dias de hoje por seus fãs, como eu e o músico Márcio Wanderley. Eram essas histórias que pontuavam o show no Casa Branca. E, muitas vezes, chorávamos de rir no palco. Vou lembrar-me de algumas destas histórias.


Logo no primeiro conjunto musical que trabalhou, era o único que enxergava. Isso mesmo. Eram oito cegos. E, por quase dois anos ele fazia vezes de guia. “Eu dava o braço a um e vinha trazendo aquela manada toda. Um dia eles se desmontaram e ficou a metade no meu braço e a outra metade na estrada. Eu não sabia se voltava pra calçada ou se ia pegar o resto”, contava o Mestre.

Outra que ele contava no show foi da vez em que foi chamado para gravar um jingle: “Mas a minha língua é meio enrolada, tem hora que ela não vai. O jingle era “poupe na letra uma nota preta”. Eu fui pro sacrifício. Fui pra boca de ferro (microfone), mas não deu um quilo certo. Aí, eu disse pro maestro Cipó, o senhor me dá a mixaria da cuíca que já toquei, pois o buraco do pano tá vazio e preciso ir ao mercado amanhã”. Para convencer o amigo, Cipó disse que ele parecia um canário, por conta de sua voz. E Marçal mandou de primeira: “Mas eu nunca vi um canário preto, você tá me enganando”. E ficou assim.

E nós também. Na próxima semana trago as impagáveis tiradas de Mestre Marçal. Fui. Mas volto.

 
Por Marcos Salles

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