quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O charme e a boa preguiça de Mestre Dorival Caymmi

Encontro de gerações : Gabrielzinho de irajá e Dorival Caymmi
Dorival Caymmi é um dos grandes mestres da música e um dos mais cultuados entre os jovens músicos da zona sul que um dia aportaram na Lapa. O bom baiano Caymmi era um sábio, um romântico, um poeta, um sambista dos bons, de elite. Do alto de seus muito bem vividos 94 anos e muita preguiça, que acabou por virar um grande folclore, foi um dos bambas do cenário musical e tirou onda em letra e música, cantando na maioria de suas canções, a mulher, o mar, a culinária e a sua querida Bahia. Ou, como gostava de dizer, Bahia de São Salvador.

Estive com ele uma vez, rapidamente, na comemoração de um de seus aniversários, numa churrascaria em Copacabana, bairro que adotou como seu. Ao chegar recebeu aplausos. Aplausos que acostumou a ganhar por toda sua bela trajetória musical. Trajetória essa que conheci bem mais por causa de um menino apaixonado pela obra de Dorival Caymmi, o esperto Gabrielzinho de Irajá. Ao saber de sua intimidade com as canções do mestre, resolvi montar o show Gabrielzinho de Irajá canta Caymmi, realizado em maio de 2006, na Sala Baden Powell, em Copacabana, e que voltará a qualquer momento.

É impressionante o tamanho da paixão deste menino deficiente visual, mas um eficiente musical, pelo vô Caymmi, como chamava o mestre. Na minha pesquisa para escrever o texto do show, descobri muito sobre este gênio baiano no livro Dorival Caymmi: O Mar e o Tempo, escrito pela neta, Stella Caymmi. E passei a admirar ainda mais este craque baiano. Assim como eu, antes de ler o livro, com certeza muitos brasileiros nem imaginam a importância do já saudoso Dorival na nossa música, no nosso samba, na nossa cultura.


Gabrielzinho, Caymmi e a neta Stella
 Entre tantas curiosidades aprendi que esse baiano aprendeu a tocar violão sozinho e escondido no violão do pai. Veio para o Rio no dia 1 de abril de 1938, sozinho, num navio e foi morar numa pensão, que ficava onde é hoje o Terminal Menezes Cortes, no Castelo. Nascido no dia 30 de abril de 1914, tem o nome com a letra D, por causa de uma promessa do pai. Como perdera os primeiros filhos, enforcados com o cordão umbilical, Seu Durval prometera que seus filhos teriam nome com a letra D, de Deus. E assim foi com Dorival e seus outros três irmãos. Da Bahia, trouxe sua paixão pelo mar, mas assumia que não sabia nem nadar e nem pescar.

E a vida de Dorival Caymmi foi repleta de lances dos mais curiosos. Sua mãe, por exemplo, queria que ele fosse pro seminário. Até que seu pai tomou a frente e deu um grito definitivo: “Na minha família não entra padre nem soldado”. Além de cantar e compor, Caymmi também desenhava e pintava muito bem, mas dizia que era um fracasso na poesia. Pode isso? Por ter a letra muito bonita ele trocava cópias do Hino Nacional por entradas de cinema. E, num capricho do destino, foi exatamente no cinema, que teve seu maior sucesso, O Que é Que a Baiana Tem, que lançou Carmem Miranda, no filme Banana na Terra. Um dos últimos pedidos para a neta Stella foi para que ela lesse para ele a biografia de Carmem Miranda.

Teve em seu samba Rosa Morena a inspiração para que João Gilberto criasse a batida e a forma de cantar a bossa nova. E, se levou uma hora para fazer Mãe Menininha, sentado debaixo de uma mangueira em seu sítio Maracangalha, demorou nove anos par concluir João Valentão. Sua famosa preguiça, aliás, tornou-se uma de suas marcas. O escritor Rubem Braga dizia que existem três velocidades: “lento, muito lento e Dorival Caymmi”. E o mestre nem ligava. E afirmava: “Sou um preguiçoso assumido”.


Caymmi tocando violão pro "netinho" Gabriel

De ótima memória, para compor suas canções, letra e música vinham juntas. Seu maior desejo era ter feito Ciranda Cirandinha. Não fez, mas fez Acalanto, famosa canção de ninar que já embalou muita gente e, quem sabe, você mesmo que está lendo agora sobre Caymmi. Ele fez para sua filha Nana e a canção passou a encerrar a programação da Rádio Tupi e da TV Tupi. Quem deveria gravar era Dona Stella Maris. Ela desistiu e quem cantou e estreou foi a filha Nana, aos 18 anos de idade.

 Se eu não tivesse almoçado na mesma mesa, no aniversário que escrevi acima, conversado e até pedir para ele cantar (pedido atendido) um pouquinho com este mestre, até poderia achar que Dorival Caymmi era uma lenda. Mas ele existiu. E à sua maneira, bem baiana de ser, escreveu seu nome na galeria dos gênios da música. Com sua voz doce e grave unindo a canções ímpares já está deixando saudade. Nos resta, além das histórias e das canções, a estátua no calçadão de Copacabana, pertinho dos pescadores.

No mais, é dar razão para João Gilberto, que o chama de “gênio da raça” e para Arnaldo Antunes, que afirma: “não parece coisa feita por gente”. E agradeço ao pequeno Gabrielzinho de Irajá por hoje conhecer bem mais quem foi Dorival Caymmi. E vamos voltar aos ensaios, Gabriel, pois se você o homenageou em vida, agora é hora de cantar e contar a história do teu vô Caymmi, como ele gostava que você o chamasse...

Por Marcos Salles

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