segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dercy Gonçalves



As minhas tardes com uma jovem sapeca de 92 anos - PARTE I


                                                                                 Dercy Gonçalves


As imagens da minissérie sobre Dercy Gonçalves e as boas atuações de Heloísa Perissé e Fafy
Siqueira ainda estão em nossa mente. E toda sua irreverência, polêmica, sabedoria e ótimo
humor estão enraizadas aqui pelo centro do Rio, nos palcos onde brilhou. Ela nasceu Dolores
Costa, no dia 23 de junho de 1907, na cidade de Santa Maria Madalena, no interior do Rio de
Janeiro. Fugiu de casa aos 17 anos, adotou o nome de Dercy Gonçalves e decidir ser atriz numa
época em que a profissão não tinha glamour nenhum. Ela se foi no dia 19 de julho de 2008,
aos incríveis 101 anos de idade. Nove anos antes de sua despedida fui entrevistá-la para a
Revista Chiques & Famosos.

Bem, lá fui eu, a fotógrafa Luciana Avellar e o maquiador João Paulo Cofir para o apartamento
dela, em Copacabana. Tudo marcadinho, certinho, chegamos, fomos muito bem recebidos por
uma amiga de Dercy, que estava num outro aposento numa reunião de trabalho. Ficamos na
sala, à meia luz, ouvindo as boas histórias desta amiga (perdão, mas o nome eu bem esqueci).
Mas o tempo foi passando, um soninho foi batendo e dormi na poltrona. Acho que a Luciana
e o João Paulo também deram uma boa cochilada. Depois de sei lá quanto tempo ela aparece.
Com seu jeito despachado, nos conduziu à porta e nos colocou no elevador, dizendo “ih, hoje
não vai ter entrevista. A vida é assim, vamos gente, vamos remarcar, tchau!”. E fomos embora
chorando de rir. Não tinha como se aborrecer com a Dercy.

É claro que consegui remarcar e voltei com a Luciana e com a maquiadora Rita Fischer. O João
Paulo até hoje lamenta não ter podido ter maquiado a grande estrela. Desta vez o papo rolou
e foi uma tarde muito divertida. Com toda a sinceridade que sempre esbanjou ao longo de sua
vida, respondeu a todas as perguntas. Então, seguem algumas das boas declarações de Dercy
Gonçalves, esta mulher que não tinha medo de ser feliz:

Segredo da longevidade – Não existe. O que dizem por aí é invenção de propagandista, é
fantasia. Chegar aos 92 é coisa da vida. Eu não faço nada demais. Não pratico esportes nem
tenho alimentação cuidadosa. Vivo como fui criada. Minhas raízes são pobres, vim de uma
família humilde e continuo a mesma.

Alimentação - Como e faço tudo o que quero, tudo que tenho vontade. Nunca exagero
naquilo que posa me fazer mal ou que depois eu venha me arrepender. Gosto de rabada,
angu, lingüiça, mocotó, entre outras coisas.

Relacionamento com Deus – Não tenho nenhum relacionamento com Deus, não acredito em
nada. Que Deus? Deus sou eu. Ele é quem me deve, porque faço o que a natureza manda.

Destino – Acredito muito. O que é meu, é meu. O cara lá de cima tem disciplina, não muda o
que está escrito.

Medo da morte – Que morte o que? Isso é covardia. E eu lá vou ficar tremendo hoje? Dessa
maneira morro antes e não aproveito a vida.

Se esperava chegar a essa idade (ela tinha 92 neste dia) – Não, porque na minha época quem
fazia 30 anos já era considerado velho. Eu achava que não fosse viver nem 40 anos. Não penso
no depois de amanhã, porque não sei se chego lá. Penso só no hoje.

O que a deixa feliz – Comer é um dos meus maiores prazeres. Sabe o que gosto de receber de
presente? Dinheiro. Não compre flor para m mim. Olha aquela ali que veio outro dia. Já está
fedendo.

O que a deixa triste – Não ter o comer e ficar sem dinheiro. Tive o pior câncer, que é o de
estômago, e não fiquei triste. Liguei pro Boni (na época consultor da Rede Globo), que me
colocou no Hospital Albert Einstein, em São Paulo e eu não paguei nada. Saí do médico e fui
comprar um carro.

Ter um namorado – Uma pessoa com mais de 90 anos namora? Já namorei muito, era o que
mais gostava de fazer. Mas não era como agora. Hoje os jovens pensam em resolver tudo no
primeiro encontro. Namoro tem de ter o olhar, o esperar, o piscar, o ir dançar, o sair para
jantar. Cama é outra coisa. Namorar é muito bom. Mas hoje está impraticável. Só se fala em
sexo. E as mulheres se desmoralizaram porque elas não esperam, vão logo atacando.

Bem, vou ficando por aqui mas volto para a segunda parte desta inesquecível tarde com Dercy
Gonçalves...

2 comentários:

  1. Sempre fui muito fã de Dercy Gonçalves, acompanhei a minissérie e adorei... Ótima entrevista amigo Marcos Salles... Parabénssssss

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  2. Parabéns !!!Muito bacana gostei!!! Cristiane Cardoso

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