No período pós-abolição, a então capital do país Rio de janeiro, recebeu ex-escravos advindos da Bahia que por aqui aportaram na zona portuária da cidade. A região conhecida como Pequena-Árica – que engloba os bairros da Gamboa, Praça Onze, Praça Mauá, Pedra do Sal e adjacências – abrigou não só os ex-escravos como também comunidades de judeus e marinheiros portugueses. Porém é a vinda dos baianos, mas exclusivamente das baianas, que interessa para a história do samba.
As velhas baianas conhecidas como “tias”, eram em sua maioria mães de santo respeitadas, cozinheiras de mão-cheia e grandes festeiras. Suas residências eram famosas por abrigar muita dança, bebida, comida e música. A mais famosa delas era a Tia Ciata que na sua casa conseguia reunir os maiores operários da música popular da época. Na sua sala de estar, os convidados dançavam juntos ao som de um chorinho suave tocado sempre por flauta, piano e violão; na sala de jantar era o pessoal do samba, a dança dessa vez era individual, e na música continha instrumentos de batucada unidos aos de harmonia; Já no quintal (quando não tinha o mesmo samba), era o terreiro das danças de candomblé e capoeira.
Foi numa dessas festas na casa de tia Ciata que Ernesto dos Santos, mais conhecido como Donga, apresentou um samba de sua autoria em parceria com o jornalista Mauro de Almeida. Em meio a nomes como João da Baiana, Sinhô, Pixinguinha e Bucy Moreira, Donga cantou e encantou os presentes com sua obra um pouco diferente, mesclando um pouco de partido-alto e maxixe. O samba foi gravado somente em 1917 pelo cantor Bahiano e assim se tornou o sucesso do carnaval daquele ano e marcou o início dessa grande história.
A música era “Pelo Telefone” e com passar dos anos foi regravada outras muitas vezes e por diversos artistas, porém, em nenhuma delas é tocada a versão original da letra. A versão que realmente ficou conhecida foi uma sátira feita por Mauro de Almeida para alertar e zombar com o chefe da polícia daquela época, Aurelino Leal: “O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar / Que na carioca tem uma roleta para se jogar...”
Confiram a versão original completa:
“O chefe da folia pelo telefone manda me avisar
Que com alegria não se questione para se brincar.(bis)
Ai, ai, ai...Deixa as mágoas para trás ó rapaz
Ai, ai, ai fica triste se és capaz e verás. (bis)
Tomara que tu apanhes
Não tornes a fazer isso
Tirar amores dos outros
Depois fazer teu feitiço
Olhe a rolinha
Sinhô, sinhô
Se embaraçou
Sinhô,sinhô
Caiu no balanço
Sinhô, sinhô
Do nosso amor
Sinhô, sinhô
Porque este samba
Sinhô, sinhô
É de arrepiar
Sinhô, sinhô
Põe perna bamba
Sinhô, sinhô
Me faz gozar
Sinhô, sinhô
O “Peru” me disse
Se o “Morcego” visse
Eu fazer tolice
Que então saísse
Dessa esquisitice
De disse que não disse
Ai, ai ,ai aí está o ideal, triunfal
Viva o nosso carnaval, sem rival
Se quem tirar o amor dos outros
Por Deus fosse castigado
O mundo estava vazio
e o inferno só habitado
Queres ou não
Sinhô, sinhô
Vir pro cordão
Sinhô, sinhô
Do coração
Sinhô, sinhô
Por este samba.”
Filho de uma baiana, o compositor Donga começou a aprender cavaquinho com 14 anos de idade. Com o passar do tempo foi trocando o seu primeiro instrumento pelo violão, e se tornou um integrante do grupo Caxangá, de onde faziam parte também o violonista João Pernambuco e Pixinguinha. Posteriormente fez sucesso depois que formou com o próprio Pixinguinha “Os Oito Batutas”, o primeiro grupo formado somente por negros realizar uma turnê internacional. Na história do sambista tem ainda outros projetos nacionais e internacionais com outros grandes nomes da música. Dentre seu extenso arsenal de composições “Pelo Telefone” foi a mais importante, não só pra ele como pra todos nós.
* Fonte da letra da música: Almanaque do Samba, André Diniz. Jorge Zahar Editor.
Caio Nolasco
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