terça-feira, 28 de setembro de 2010

Das Páginas do Samba: Saudades de Jovelina Pérola Negra - IV

(Confira, no fim da matéria, uma incrível seleção de fotos antigas)


Após a homenagem ao grande partideiro Deni de Lima, que nos deixou, volto à série sobre esta grande sambista que foi Jovelina Pérola Negra. E fico aqui a imaginar como seria a inesquecível Jojô cantando pelas casas da Lapa. E levando à loucura toda uma geração que não a conheceu, que não a viu versando de improviso. Batendo de frente com os bambas do partido-alto e muitas vezes deixando estes marmanjos em má situação, apelando para baixarias das mais engraçadas. Mas, ao mesmo tempo em que era mestre em dizer os versos mais indecentes num desafio nos partidos, em casa ela não permitia que seus filhos falassem um palavrão sequer.

Neste penúltimo capítulo vou lembrar de algumas de suas manias. Rigorosa na educação das crianças, não pensava duas vezes em castigá-los. Se os filhos encontrassem alguém de idade tinham de pedir a benção. Bastava esquecerem da recomendação para levarem um tapa. E era um senhor tapa. Como aconteceu uma vez que estava com os filhos na igreja e um deles, o Renato, olhou para a sacolinha com a inocente curiosidade de uma criança. E lá veio o famoso e temido tapa com um aviso: “Não pode olhar para o dinheiro da igreja”. Só que o aviso era depois do tapa...

Lembro de uma contada por outra grande dama do samba, Dona Ivone Lara, imperiana como ela. As duas haviam acabado de cantar e estavam esperando o contratante fazer o pagamento. Mas o sujeito ficava indo de um lado para o outro e nem olhava para elas. E Jovelina impaciente. “Calma irmã, ela já vai pagar”, disse Dona Ivone, para acalmar a situação. “É bom, porque senão eu mordo ele”, ameaçou Jovelina, que costumava ter conversas imaginárias com contratantes de show na varanda de seu apartamento. Ela aproveitava e os xingava, dizia que tava recebendo pouco, entre outras coisas que sua imaginação criava. E nem percebia que a filha Cassiana ouvia tudo.

Sempre muito divertida, ela adorava dar susto nos outros. Ia para o shopping com o neto Rafael e mandava que ele ficasse atrás da pilastra para assustar as crianças. E era Jovelina quem dava boas gargalhadas. Ela comprava boneca para a filha Cassiana, para a neta Kamilla, mas era ela quem brincava. O nome da neta, aliás, foi escolhido pela avó coruja. E nem poderia imaginar que anos depois cantaria com ela no CD Jovelina Duetos, que produzi para a gravadora Som Livre. Na faixa É Isso que eu Mereço (título do CD), a voz de Jovelina faz um dueto com a filha Cassiana e a neta. Esperta e afinada como a avó, não gostou de um pedaço do que cantou, pediu pra refazer e disse: “Tio, pede pra sair todo mundo do estúdio?”, disse a candidata a sambista. A pequena colocou a voz às escondidas, na hora do almoço. E, é claro que as lágrimas rolaram quando a mãe Cassiana e a minha assistente Sandra Rolszt voltaram e ouviram a novidade. Voltei no tempo e lembrei-me de quando eu ficava ao lado da Jovelina, quando ela colocava a voz em algumas faixas de seus LPs.

Aliás, é sobre o cd Jovelina Duetos e sobre os fatos sobrenaturais que aconteceram nos ensaios e gravações do DVD Raça Brasileira – 20 Anos, que vou escrever no último capítulo desta série. Semana que vem, valeu? Até lá...

Por Marcos Salles




Fotos


A filha Cassiana colocando voz guia ao olhos do produtor



Guineto, Jovelina e Zeca, um trio de respeito nos versos de improviso



Com a amiga Leci Brandão



A neta Kamilla

Com seu vestido de bolinhas


Gravando em estúdio


Dica do Gerdal: Denilson Santos ganha o mundo do disco

Prezados amigos,



flyer do show na Sala Funarte
 
O carioca Denilson Santos, cantor, compositor e violonista, tem uma das vozes mais interessantes e bonitas da nova cena musical. O timbre é aveludado e envolvente, valorizado pela competência do artista em colocar, no momento certo, doses de peso ou delicadeza... Ele tem personalidade musical, o que é provado também pelo fato de as releituras (como "Teia de Renda", de Túlio Mourão e Mílton Nascimento) não remeterem em nada aos registros originais. Grande artista que vale a pena." De Sampa, bem melhor do que eu poderia expressar - e insuspeito -, Toninho Spessoto, em seu blogue sobre música popular, é taxativo quanto à alta qualidade do canto do querido amigo Denilson Santos, também integrante do grupo vocal Réus Confessos, um artista que, enfim, após prolongada expectativa, lança o seu primeiro CD, "Do Mundo", pelo selo independente Mills Records e com arranjos de Willians Pereira, que partiu "fora do combinado" (como diria Rolando Boldrin). Denilson, cujo nome artístico adotado faz lembrar o de um cantor veterano, também carioca, Venilton Santos - de grande presença no rádio e em comédias musicais dos anos 50 -, mostra cabalmente, a meu juízo, nos "links" abaixo, o porquê do acerto da consideração acima do lúcido jornalista paulistano. "Do Mundo" cai na estrada da MPB bem destinado, feito com sustança e cuidado de produção.


Primeiramente, no cativante "vídeo-release" de Denilson, uma grande interpretação dele para o lindo baião "Pelo Ar", que compôs com a talentosa Luhli - a mesma da bem conhecida dupla com Lucina nos anos 70 -, os quais, conjuntamente, cantam outros rebentos da parceria comum, os choros "Bate na Madeira" e "E Tome Chuva" (vídeos 2 e 3). No último vídeo, Denilson e o compositor e luthier Tony Pelosi cantam a valsinha "Serena", deste com Nonato Luiz. O show de lançamento de "Do Mundo" ocorrerá nesta quarta-feira, 29 de setembro, às 19h, na Sala Funarte Sidney Miller, pelo projeto Ecos da Cidade.
Confira a programação.

Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção à dica.

Um abraço,
Gerdal


Vídeos




segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Grafite na Lapa!

Na Lapa tudo vira arte! E, para conscientizar a população, a prefeitura resolveu usar o mesmo método: os 300 metros quadrados de muro da Rua Cardeal Câmera, em frente a Fundição Progresso, estão se transformando em um grande e colorido painel de grafite. O projeto é parte do Programa Antipichação da prefeitura do Rio, que estimula a prática do grafite como forma de conscientização. gasta anualmente, em média, R$ 2 milhões para limpar as sujeiras que deixam pela cidade.


“Rio, Samba, Boemia Carioca, Lapa” é o tema que os 15 grafiteiros profissionais estão colorindo desde sexta passada, dia 24, no grande muro perto dos Arcos. O rascunho já está pronto e é criação de todos, cada um deixando sua marca pessoal no grande desenho. A conclusão, dia 02, vai será na comemoração dos 10 anos da Feira de Antiguidade da Lapa.




Parte do rascunho da pintura que vai ocupar o muro

 O grupo de grafiteiros é formado por nomes já conhecidos na arte do grafiti: BR, Toz, Ment, Acme, Bragga, Piá, Eco, Mateu, Airá, SWK, Chico, CH2, Akuma, AFÃ e Godri. E se você quiser acompanhar o trabalho do pessoal, é só aparecer! Os meninos garantem que irão trabalhar todos os dias, em revezamento, entre 10h e 22h.

A realização é da Secretaria Municipal de Conservação e Serviços Públicos, em parceria com as secretarias Especial de Ordem Pública, Turismo, Cultura e a associação Pólo Novo Rio Antigo, da Lapa, além da cervejaria Ambev.




O Graffite em números (estimativa dos artistas)
  • 100 sacos de cimento
  • 3 caminhões de areia
  • 35 cores diferentes
  • 600 latas de spray
  • 120 litros de tinta látex
  • 3 andares de andaime para chegar ao topo do muro.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Das Página do Samba: Deni de Lima, o anjo torto do samba se foi

Vou interromper a série sobre Jovelina Pérola Negra para homenagear um de seus grandes parceiros dos versos de improviso, que desde o último dia 14 de setembro nos deixou.

O samba perdeu Deni de Lima, um partideiro fera na arte de versar, mas que não soube improvisar para escapar das ciladas, das armadilhas que apareceram em seu caminho. Escrevo estas linhas com muita tristeza, pois ao participar do início de sua trajetória no samba, me tornei seu fã. Porém, sua trajetória se fez errante pelos caminhos que, aos poucos foram derrotando seu talento musical e sua saúde. E Deni se foi. Era um cara iluminado, inspirado e capaz de conversar por horas e horas com mestres como Almir Guineto, Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Arlindo Cruz, Sombrinha e tantos outros. Era conhecer Deni e se apaixonar por sua arte, sua brincadeiras, seu bom-humor. Mas ele não conseguiu se desviar do lado obscuro da vida. Perdeu a batalha.


Zeca Pagodinho e Deni de Lima

O conheci na gravação do primeiro LP solo do Zeca. Os dois brincaram de versar no pot-pourri Hei de Guardar Teu Nome/Vou lhe Deixar no Sereno/A Macumba da Nêga, em 1986. E o sucesso foi tanto que no ano seguinte a gravadora RGE resolveu fazer um disco inteiro com o novato Deni. E foi aí que começou um roteiro de filme. Repertório definido com o produtor Mílton Manhães, eu em meu segundo ano de coordenador de produção, marcamos com Deni no antigo estúdio da Transamérica, ali na São Francisco Xavier. E ele foi. Tirou o tom da primeira música e desapareceu. Zeca chegou, os dois foram saindo de fininho e vazaram. Mas Deni, assim como Zeca, possuía o dom de aprontar e não receber rancor de ninguém. Era impossível brigar com ele. Mas, com a fuga do cantor, restou ao Maestro Ivan Paulo tirar o tom das outras músicas pela primeira e fazer os arranjos.

O outro capítulo foi achar o cantor para iniciar a gravação das bases do disco. Achei em Vila Isabel, com uma fã. Levei o casal para jantar no restaurante Ásia, na Rua Souza Franco. E Deni jantou, comprou flores e versos (naquela moldura de papel, conhece?). Aliás, eu comprei né? Ao final do jantar ele queria ir pra casa do Beto Sem Braço. Mas essa eu não podia perder e o convenci a ir pra minha casa. O tranquei no quarto e avisei para o Mílton, que confirmou a gravação com os músicos e o Ivan Paulo. Na manhã seguinte levei o cantor, ele fez a primeira voz guia, mas num descuido, não é que ele sumiu de novo? O remédio foi revezar com Mílton as vozes guia na gravação. Eu cantava uma e ele outra.

Após todas as fases da gravação do disco, começou o capítulo final chamado de Caça ao Cantor, para que ele colocasse a voz definitiva nas músicas. Se bem me lembro foram nossas então competentes assistentes Sandra Rolszt e Cecília de Souza que encontraram Deni. E ele, enfim, cantou no seu disco. Mas não teve briga e sim muitas gargalhadas.

Deni era assim. Um anjo negro que passou por aqui. Um anjo torto, talvez. Um iluminado do samba. Quando chegava bem nos pagodes era motivo de alegria. Versava como se estivesse brincando e cantava lindos sambas, destes que rádio não toca, como por exemplo Quintal do Céu (Wilson Moreira/Jorge Aragão), que ele adorava. Ou Mulata Beleza (Zé Roberto), de seu LP. Era lindo ouvi-lo cantar Orai por Nós (Almir Guineto/Luverci Ernesto)

Deni de Lima, Wanderson Martins e Marcos Salles


Prefiro lembrar do Deni na alegria. Na última vez que nos vimos, ele cantou bonito na Feijoada do Stevie, no Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército, no Rocha. E no final ainda pagou refrigerante pras crianças. Pode acreditar. E, pra terminar, outra dele. Com minha filha Andressa, ainda pequena. Estávamos na mesa de um pagode que o Roberto Serrão armava em frente à sua casa, na Piedade. Até que chegou um cara muito bêbado, tropeçando e cuspindo. Minha filha na mesa comigo. Ninguém gostou e foi Deni quem resolveu a parada. Virou o cigarro com a cinza para o lado de dentro da mão e apertou a mão do mala sem alça. Mão queimada, o porre passou e ele tirou o time, apavorado. E Deni piscou pra Andressa. Aliás, ela que me contou, pois só ela viu. Valeu Deni.

Este Deni que não foi campeão de execução nas rádios, mas foi o cantor das ruas, dos pagodes e agora deve estar em alguma nuvem versando com Baiano do Cacique, Neoci Dias, Jovelina e revendo também velhos parceiros como Beto Sem Braço, Mussum, Jorginho Bombom e Tia Doca...


Por Marcos Salles

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dica do Gerdal: o tantos-em-um Moacir Santos


Moacir Santos

Prezados amigos,

Não era apenas um só, mas tantos, como observou o parceiro Vinicius de Moraes no "Samba da Bênção" (feito por este e por Baden Powell), tantos num só na capacidade de criar, juntar notas e compassos, harmonizar sons e produzir "beleza pura" para os ouvidos, o coração e a alma, tantas as coisas, numeradas ou não, que vinham de si e se expressavam exemplarmente em tantos instrumentos - parte dos quais tocava -, como no porta-joias musical intitulado "Ouro Negro", produção esmerada de Zé Nogueira e Mário Adnet. Um CD duplo em que o Maestro, como que emergindo das páginas amarelecidas de uma revista, viu recorar-se com sonoridade cheia a sua obra, também pra tantos, entre discípulos e admiradores.


Tantos ainda o Destino, polinominado e sempre intrigante para a percepção humana, e só ele - como bem o situa nessa imprecisão o compositor e escritor Nei Lopes, na apresentação da referida homenagem - para explicar, como, do passamento em Pasadena, na Califórnia, em 2006, retrospectivamente, até o nascimento, em 1926, em Flores do Pajeú, no íngreme sertão pernambucano, órfão aos três anos de idade e "preenchendo" na infância e adolescência os "requisitos básicos" para a exclusão social, pôde, entre todos os santos e Santos do Brasil do Poetinha e de todos nós, um negrinho Moacir, no movimento inverso que de novo o leva aos EUA, após peripécias interurbanas pela sobrevivência no Nordeste e muitos anos de trabalho no Rio de Janeiro - como músico e maestro nos anos dourados da Rádio Nacional, além de professor de Baden Powell, Geraldo Vespar, Roberto Menescal, Oscar Castro Neves e Eumir Deodato, entre outros craques -, conquistar a admiração de, também tantos, colegas estrangeiros de prestígio, começando pelo pianista norte-americano Horace Silver.


Flyer do show no Lapinha

De Moacir Santos o inspirado Nei Lopes tornou-se parceiro ao pôr letra, por exemplo, em "Luanne", transformada em "Sou Eu" e gravada por Djavan em "Ouro Negro", um tema que, ainda em versão instrumental, conheceu, em 2006, um magnífico registro no CD "Renovando as Considerações", ao som do trombone nota dez do petropolitano Vittor Santos. Nesta quarta-feira, 15 de setembro, no Lapinha (Av. Mem de Sá, 82 - sobrado - Lapa - tel.: 2507-3435), às 21h30, poderá ser ouvido, creio, no "set list" da apresentação do Trio 3-63, formado pela flautista Andrea Ernest Dias - filha de uma francesa, também flautista e professora de música há muito vivendo no Rio, Odette Ernest Dias -, pelo percussionista Marcos Suzano e pelo pianista Paulo Braga ("flyer" abaixo). "Se uma estranha paz te vestir de azul, não te espantes não, sou eu..." E é ele, sim, Moacir Santos, o destaque de uma noite carioca musicalmente abençoada.


Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção à dica.
Um abraço,
Gerdal

Pós-escrito: nos vídeos abaixo, 1) cenas com Moacir extraídas do "making-of" de "Ouro Negro", coerentemente patrocinado pela Petrobras; 2) o próprio 3-63 dando nova "forma" uma das "coisas" do Maestro; 3) também dele, "April Child", tocada por uma rapaziada do ramo, lá de Brasília





segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Das Páginas do Samba: Saudades de Jovelina Pérola III

Com o cantor e compositor Dunga


E vou seguindo nesta série sobre a partideira Jovelina Pérola Negra, que nos deixou muito cedo. E hoje o que resta, além das gravações, são suas histórias. Divertidas passagens que entraram para o folclore do samba. E a maior delas já possui várias versões. Mas a verdadeira aconteceu mesmo aqui pertinho da Lapa, mais precisamente no Teatro João Caetano, na Praça Tirtadentes. É a famosa história do borderô.


Ela fazia uma temporada de duas semanas com o Grupo Fundo de Quintal. Os pagamentos eram feitos nas sextas, mas na terça ela já estava querendo o seu, dizendo que estava “dura igual um côco”. E lá foi procurar o coordenador, Seu Hélio. Calmamente ele disse que ia adiantar uma parte e depois colocaria o valor no “seu borderô”. Aí Jovelina fechou o tempo. E gritava pra quem quisesse ouvir: “Nãoooo. No meu borderô não. No meu borderô nem meu marido coloca”. E demorou para se acalmar e entender o que era o tal borderô. Coisas de Jovelina.

Com Leci Brandão
Aliás, “Tá brabo. Estou dura igual um côco. Tenho que ganhar um qualquer”, era um dos bordões preferidos da Jojô. E como reclamava. Jovelina não colocava sua bolsa no chão (“o dinheiro vai embora”). Durante as gravações, nossa diversão era esconder suas sandálias ou colocar sua bolsa no chão. Ela ficava uma fera, mas depois de vários palavrões todos caíam na gargalhada. Com as boas vendagens de discos e os muitos shows que fazia tratou de resolver vários sonhos, como por exemplo, a operação nos seios. Toda prosa com o novo formato, uma vez ao colocar voz num dos LPs, recebeu a visita do parceiro Zeca Pagodinho e não perdeu tempo: “Aqui, Pagodinho. Olha, olha. Está uma chupetinha, pequenininho, mas não é pro teu bico não, hein!”, gritou, mostrando os seios recém-operados.

Ela era assim. Era autêntica, uma mulher simples, do povo, humilde. Em casa, tinha a mania de lavar roupa, o que fazia muitas vezes de madrugada. Sua vida foi de sacrifício, de muita luta. E foi nessa dureza, que ela conseguia transformar em cenas engraçadas, que achou inspiração para seu primeiro grande sucesso, o samba Feirinha da Pavuna. Ela tinha ido fazer a feira na hora da xepa (em que tudo está mais barato). Saiu uma briga feia. Legumes e frutas voavam por todos os lados e, na confusão, a esperta negona pegava o que sobrava. Ao chegar em casa fez o samba, que começa assim: “Na feirinha da Pavuna houve uma grande confusão/a dona cebola que estava invocada/ela deu uma tapa no seu pimentão...”

Porém, ela nunca mudou. Sua essência de mulher humilde e lutadora para colocar o pão em casa para os filhos continuava. Lembro de um show de uma rádio FM, no Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército, no Rocha, no Rio. Ela era a grande atração da noite e a casa estava cheia. Mas a banda que iria acompanhá-la ainda não tinha recebido. Ela soube e disse que só entraria no palco após este pagamento e, para completar, foi até o portão, tirou o segurança da frente e abriu, deixando entrar uma pequena multidão. Aí sim, estava satisfeita e foi cantar.

Bruno Quaino, Mílvar Filho, diretores da editora Sigem e Almir Guineto

Essa era a Dona Jove, como Alcione costumava chamá-la. Semana seguinte vamos para o penúltimo capítulo desta série. Não perca, valeu?

Marcos Salles

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Dica do Gerdal: Arranjos do mestre chorão para atração do rádio

Prezados amigos,


Ainda anteontem, no feriado, eu recordava com o meu pai, Geraldo José, sonoplasta aposentado, o programa "O Pessoal da Velha Guarda", no ar de 1947 a 1952, que ele, então contrarregra da emissora que apresentava a atração, a Rádio Tupi, no Rio de Janeiro (só perdia para a Nacional em audiência), pôde acompanhar de perto, ao longo desses idos, no próprio auditório, em contato frequente com Almirante, no comando, e Pixinguinha, na direção musical.

Também Benedito Lacerda, com a sua flauta histórica, entre outros músicos importantes, participavam do programa - observa o meu velho -, cujos arranjos, criados por Pixinguinha, motivam, nesta quinta-feira, 9 de setembro, às 20h, no Teatro Carlos Gomes (Praça Tiradentes, 19 - Centro), uma bela apresentação, com orquestra arregimentada para a ocasião, de lançamento do livro "Pixinguinha na Pauta" - com textos de Bia Paes Leme, organizadora do projeto, da pesquisadora Anna Paes, do violonista Paulo Aragão e do irmão bandolinista Pedro Aragão (todos professores da Escola Portátil de Música, na Urca) -, acompanhado de 36 partituras desse gênio da MPB. Arranjos de Pixinguinha que, quanto à "velha guarda" do título do programa da Tupi, evocavam composições de fins do século XIX e começos do século passado, período em que se sedimenta, de modo plural - com choro, polca, maxixe, valsa, marcha, tango e "schottisch", por exemplo -, uma identidade rítmica para a nossa música popular.

 O cantor e pandeirista Pedro Miranda, revelação carioca do samba bem-ajambrado, será o mestre de cerimônias do espetáculo em destaque, plenamente acessível ao bolso popular - R$ 10 (inteira), e R$ 5 (meia entrada). Juntamente com a Imprensa Oficial de São Paulo e a Prefeitura do Rio de Janeiro, põe-se à frente da iniciativa o Instituto Moreira Salles, a cuja guarda foi confiado pela família o precioso acervo de Pixinguinha, com centenas de fotos e recortes de jornais, troféus, medalhas, registros orais, documentos pessoais e uma infinidade de partituras, já digitalizadas e catalogadas.

Um bom dia a todos. Grato pela atenção à dica
Um abraço,
Gerdal

Pós-escrito: no "link" abaixo, sobre foto de Pixinguinha, ouve-se, da autoria dele, em gravação feita em 1940, o choro "Os Cinco Companheiros".
 

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dica do Gerdal: uma gaita e um piano em viagem pela canção que atravessa o tempo

Prezados amigos,


Em 1958, o sopro do amigo Luiz Manoel já se entrosava com os de Rildo Hora e Sérgio Leite no trio Os Malabaristas da Gaita, pouco após se ter feito notar, individualmente, no "Festival de Gaitas", da Rádio Globo, e no "Pescando Estrelas", da Rádio Mayrink Veiga. Figura bastante presente na noite carioca, com o seu indefectível boné, além da harmônica, ele, em registro documental abaixo, fala, com brevidade, em francês impecável (idioma natal da avó materna), da importância desse instrumento "inséparable" na sua vida - "mon moyen d`expression, c`est une façon de mon âme par la musique".

Aliás, o apreço galófilo ligado à música popular tornou-o um apreciador e até mesmo cantor do repertório de Tino Rossi, Jean Sablon, Gilbert Bécaud e Charles Trenet, entre outros, trazendo da "douce France" deste último, também no vídeo, a lembrança da belíssima "Que Reste-t-il de Nos Amours".



No segundo video, pelo entendimento universal da música instrumental, toca "Samba de uma Nota Só", de Tom Jobim e Newton Mendonça, numa praça de Laranjeiras, juntamente com instrumentistas de um clube de bossa-jazz desse bairro do Rio.






Luiz Manoel, que costuma mesmerizar plateias com sua interpretação fora do comum para "O Trenzinho do Caipira", de Heitor Villa-Lobos, inicia nesta quarta, 8 de setembro, às 19h30, com outro amigo talentoso, o pianista Zelito Medeiros (este de ótimo CD independente já lançado, em 2002, "Boa Notícia"), uma temporada no Salsa e Cebolinha, no Centro, que terá como destaque a reapresentação que farão, a seu modo e com "feeling" integrado, de títulos marcantes da MPB, do jazz e do cancioneiro francês.

Um piano e uma gaita afins e ainda conhecidos de outra empreitada cultural: a do "Cabaré Caruso", uma interessante proposta de espetáculo de variedades levada a efeito por seus criadores, os gêmeos desenhistas Chico e Paulo Caruso.

Um bom dia a todos. Grato pela atenção à dica.

Um abraço,
Gerdal

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Das páginas do samba: Saudades de Jovelina Pérola Negra II

Lembrar de Jovelina Pérola Negra é voltar num tempo em que o samba fervia nos quintais, terrenos e quadras em inspirados pagodes, ainda sem microfone. Eram tempos em que as vozes dos partideiros soavam com a força da criatividade, como a da Jojô. E começo esta segunda parte da série registrando o que esqueci semana passada. E não poderia esquecer uma das marcas desta saudosa sambista. É o famoso colant de oncinha, que ela gostava muito e que usava na histórica madrugada em que chegou bem atrasada no estúdio da Som Livre. Por conta desta roupa ela foi alvo de muitas brincadeiras da galera, principalmente de Zeca Pagodinho e Mauro Diniz.



No Cassino do Chacrinha recebendo Disco de Ouro

Mas vamos às suas origens. Jovelina Farias Belford nasceu em Botafogo, mas logo trocou a zona sul pela Baixada Fluminense, indo morar em Belford Roxo. Porém, numa ironia do destino, foi justamente no bairro em que nasceu que gravou o LP que a apresentaria ao grande público. Baiana do Império Serrano, ela ganhava a vida como empregada doméstica e, a partir da separação, foi cantar na noite para sustentar a família. O nome artístico Pérola Negra recebeu do amigo Dejalmir. Descoberta pelo produtor Mílton Manhães, virou sucesso. E, para minha sorte, estava lá nesta trajetória.

Fui co-produtor de quatro discos da Jojô: 1986, 87, 88 (estes sob o comando do Mílton) e 93 (com o maestro Ivan Paulo), além é claro, do Raça Brasileira. Dirigi um show seu no Teatro Suam, em Bonsucesso, quando dividiu o palco com Dominguinho do Estácio. Mas foi na produção de seus discos que pude conviver e conhecer as suas histórias. Com o tempo ganhei a confiança do Manhães e comecei a tomar conta do repertório nos discos. E, como Jojô era uma grande cozinheira, era um prazer dobrado ir para sua casa e ouvir centenas e centenas de fitas cassete que os compositores mandavam. Era cada panelão com carne assada ou tripa a lombeira que só de lembrar dá água na boca.

Show no Pagode da Praia, na Barra
Numa dessas tardes aconteceu uma boa: de repente, uma confusão na porta da cozinha. Um fiscal da Receita Federal fazia uma cobrança indevida e teimava em falar com a dona da casa. Sem pensar duas vezes uma enfezada Jovelina, me deixou falando sozinho, trocou a audição dos sambas pela confusão, partindo para a cozinha. Sem discutir muito, pegou o fiscal pelos braços, foi empurrando e o jogou dentro da lixeira do andar de seu prédio. Como só abria por fora o coitado ficou lá batendo na porta e gritando: “Me tira daqui”.


Ah, ao lado do collant de oncinha, sua peruca também era marca registrada. Aliás, a única peruca do mundo que coçava. Numa de suas viagens para fazer shows com os parceiros do Raça Brasileira colocou a peruca para secar numa caneca de chopp e foi muito zoada por Zeca Pagodinho e Mauro Diniz.

Semana que vem tem mais histórias da Jovelina, que apareceu pela Lapa numa temporada de casa cheia do Asa Branca, ao lado do Samba Som Sete, Almir Guineto. Mauro Diniz, Elaine Machado e Pedrinho da Flor.


Marcos Salles.

Dica do Gerdal: o viajado trombone de pista anima a festa e convida para dançar

"...Quem disse que o trombone estava ausente? Aí está Dom Onofre, que não me deixa mentir, mais presente do que nunca. E, quando prepararem o seu baile, não se esqueçam, por favor, de me convidar. Com um som desses, eu também quero dançar."
José Domingos Raffaelli, crítico musical



Edgard Gordilho, Heitor Brandão e Dom Onofre


Prezados amigos,


Anteontem, à tarde, caminhando pela Rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, encontro o amigo Cláudio Matheus (contrabaixista e um dos jurados do desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro), acompanhado do baterista Zezinho Dias, filho do saudoso comediante Oscarito. Desse contato repasso a vocês uma dica interessante, informada pelo próprio Cláudio e dirigida, sobretudo, àqueles que querem dançar, neste feriado de 7 de setembro, ao som de boa música popular e de bons músicos: Dom Onofre anima a festa no Lapa na Pressão (na Av. Mem de Sá, 59/61, pertinho dos Arcos da Lapa), a partir das 19h. O Cláudio também está nessa, participando do conjunto que acompanha o experiente trombonista "de pista".. Saiba mais sobre o show!


Dom Onofre
Integrando a Tabajara, com a qual tocou por duas temporadas no Cassino de Estoril, em Portugal, afora diversas apresentações em Paris, o também maestro e arranjador Dom Onofre é egresso de outras orquestras importantes, como as de Cipó e de Édson Frederico. A marca do seu sopro, entre outras atrações, fez-se ainda notar, no Rio, em "O Homem de la Mancha" e " Evita", musicais de grande público e destaque na imprensa.


Nos vídeos abaixo, ao lado ora do jovem Arimateia, ora do veterano Alexis Andrade, ao trompete, Dom Onofre tem ainda a companhia do baterista Alfredo Gomes, do saxofonista Peter O`Neil e dos já falecidos Helvius Vilela, ao piano, e Ênio Santos, ao contrabaixo. Jazzísticos, tocam "Cantaloupe Island", um clássico do pianista Herbie Hancock, e "Strutting with Some Barbecue" por ocasião de show no Centro Cultural Justiça Federal.









Um bom dia a todos. Grato pela atenção à dica.

Um abraço,
Gerdal

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Encontro da Diversidade

Uma boa dica para quem vai passar o feriadão no Rio é conferir a primeira reunião do MERCASUL sobre a diversidade cultural! Além de debates e palestras, o projeto mostrará, na prática, o potencial da cultura brasileira em apresentações artísticas, feiras de produtos culturais e exposições.

Encontro da Diversidade
O evento, organizado pelo Ministério da Cultura, acontecerá entre os dias 4 e 6 de setembro, com o tema "A Independência da Cultura", e os shows serão abertos ao público.

O Encontro da Diversidade reunirá cerca de 1500 pessoas para celebrar a mistura cultural do País com representantes de diversos segmentos culturais – indígenas, quilombolas, ciganos, comunidades tradicionais de terreiro, LGBT, mestres de folguedos, imigrantes, pessoas com deficiência, trabalhadores urbanos e rurais, jovens e crianças.

Confira as programações do Encontro para sábado, domingo e segunda.


A estrutura para o show, montada em frente dos Arcos, é enorme e é lá que vão acontecer as apresentações dos diversos grupos artísticos se apresentarão durante os três dias de evento. Para abrir o Encontro, um grande cortejo no sábado, a partir das 20hs: 12 bonecos gigantes vindos de Olinda e a Cobra Grande, com 50 metros de comprimento, vão marcar o inicio do Encontro.



Palco montatdo em frente aos Arcos
As Rodas de Convivência, que pretendem discutir temas  transversais a todos os segmentos - como preconceito, cultura de paz, espiritualidade, economia da cultura, saúde, tradição e memória, meios de comunicação, participação das mulheres na cultura e transmissão dos saberes tradicionais -, vão acontecer na Fundição Progresso.

Além dos shows, o Encontro terá feira de produtos artesanais e exposições de fotografia e grafite. O evento promete parar a noite na Lapa!, que fica ainda melhor de aproveitar devido ao agradável clima da Lapa sem Carros. (Assista o vídeo A Lapa é dos Pedestres)




O Encontro em Números

  • 1500 convidados.

  • 14 segmentos sociais: culturas populares, indígenas e ciganas, LGBT, crianças, idosos, jovens, mulheres, imigrantes, trabalhadores urbanos e rurais, saúde mental, pessoas com deficiência, povos de terreiro.

  • 1000 artistas em três shows na Lapa.

  • Três mil degustações da Queima do Alho – comida feita por representantes da Festa do Peão de Barretos (SP).

  • Palco arena de 346 metros quadrados.

  • Maior estandarte já feito a mão, com 10mx6m bordados.