segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Das páginas do samba: Saudades de Jovelina Pérola Negra II

Lembrar de Jovelina Pérola Negra é voltar num tempo em que o samba fervia nos quintais, terrenos e quadras em inspirados pagodes, ainda sem microfone. Eram tempos em que as vozes dos partideiros soavam com a força da criatividade, como a da Jojô. E começo esta segunda parte da série registrando o que esqueci semana passada. E não poderia esquecer uma das marcas desta saudosa sambista. É o famoso colant de oncinha, que ela gostava muito e que usava na histórica madrugada em que chegou bem atrasada no estúdio da Som Livre. Por conta desta roupa ela foi alvo de muitas brincadeiras da galera, principalmente de Zeca Pagodinho e Mauro Diniz.



No Cassino do Chacrinha recebendo Disco de Ouro

Mas vamos às suas origens. Jovelina Farias Belford nasceu em Botafogo, mas logo trocou a zona sul pela Baixada Fluminense, indo morar em Belford Roxo. Porém, numa ironia do destino, foi justamente no bairro em que nasceu que gravou o LP que a apresentaria ao grande público. Baiana do Império Serrano, ela ganhava a vida como empregada doméstica e, a partir da separação, foi cantar na noite para sustentar a família. O nome artístico Pérola Negra recebeu do amigo Dejalmir. Descoberta pelo produtor Mílton Manhães, virou sucesso. E, para minha sorte, estava lá nesta trajetória.

Fui co-produtor de quatro discos da Jojô: 1986, 87, 88 (estes sob o comando do Mílton) e 93 (com o maestro Ivan Paulo), além é claro, do Raça Brasileira. Dirigi um show seu no Teatro Suam, em Bonsucesso, quando dividiu o palco com Dominguinho do Estácio. Mas foi na produção de seus discos que pude conviver e conhecer as suas histórias. Com o tempo ganhei a confiança do Manhães e comecei a tomar conta do repertório nos discos. E, como Jojô era uma grande cozinheira, era um prazer dobrado ir para sua casa e ouvir centenas e centenas de fitas cassete que os compositores mandavam. Era cada panelão com carne assada ou tripa a lombeira que só de lembrar dá água na boca.

Show no Pagode da Praia, na Barra
Numa dessas tardes aconteceu uma boa: de repente, uma confusão na porta da cozinha. Um fiscal da Receita Federal fazia uma cobrança indevida e teimava em falar com a dona da casa. Sem pensar duas vezes uma enfezada Jovelina, me deixou falando sozinho, trocou a audição dos sambas pela confusão, partindo para a cozinha. Sem discutir muito, pegou o fiscal pelos braços, foi empurrando e o jogou dentro da lixeira do andar de seu prédio. Como só abria por fora o coitado ficou lá batendo na porta e gritando: “Me tira daqui”.


Ah, ao lado do collant de oncinha, sua peruca também era marca registrada. Aliás, a única peruca do mundo que coçava. Numa de suas viagens para fazer shows com os parceiros do Raça Brasileira colocou a peruca para secar numa caneca de chopp e foi muito zoada por Zeca Pagodinho e Mauro Diniz.

Semana que vem tem mais histórias da Jovelina, que apareceu pela Lapa numa temporada de casa cheia do Asa Branca, ao lado do Samba Som Sete, Almir Guineto. Mauro Diniz, Elaine Machado e Pedrinho da Flor.


Marcos Salles.

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