Um cantor diferenciado, com uma divisão toda própria. Um músico dos melhores, que tocava todos os instrumentos de percussão, do ganzá ao tímpano, passando pela cuíca, pandeiro e o que mais fosse inventado. Tinha o ritmo no sangue. Foi mestre de bateria da Portela e da Unidos da Tijuca. E sempre com uma categoria impressionante. Assim era Mestre Marçal, de quem escrevi semana passada e volto hoje a escrever.
Desta vez, registro algumas frases inesquecíveis deste sambista inesquecível. Mas antes, como não poderia deixar de ser, mais uma de suas boas histórias, dos tempos das gafieiras. E contada pelo próprio no show que fizemos no Casa Branca (nome que o Asa Branca teve por um tempo), em pleno coração da Lapa : “Arrumei uma preta num morro, lá em Brás de Pina, mas a preta tinha um boxeur. O crioulo parecia um duplex. Fui lá ver a preta. Subi o morro e encontrei o crioulo em pé na porta, parecia um guarda-vestido. Aí, eu vi que sujou e fui embora. Fui saindo, não vi o arame farpado, escorreguei, encarei o arame, mourão, vim caindo, embolado com aquilo tudo e vim parar no asfalto. Todo arranhado, meu terno rasgado. Mas não tem nada, perdi aqui, mas vou ganhar lá na frente. Me arrumei todo e me dei bem com outra preta, pois coração de sambista tem sempre vaga pra mais um”, contava às gargalhadas.
Mas vamos a algumas de suas tiradas que ainda hoje são lembradas pela nova geração do samba e também pelo amigo Wilson das Neves, baterista de Chico Buarque.
“Quem procura o que não perdeu, quando encontra não conhece” ou “quem procura o que não perdeu, quando encontra não sabe o que faz”
“Não posso é perder esse emprego. Devido ao adiantado da hora se eu perder esse comboio, só amanhã de manhã. Sou homem doente e não posso ficar na plataforma”
“Vou comendo o mingau pela beirada do prato, porque no meio tá quente”
“Alô bateria. Quem dorme de favor não tem direto de esticar as pernas”
“Caranguejo por ser afobado nasceu sem pescoço”
“Esse aí é 171, é patuá vazio, breve sem nada dentro”
“Trata de ti. Toma banho na sua piscina, mas não esvazia a minha bacia”
“Todo mundo era muito bom, mas meu chapéu sumiu e ninguém sabe quem levou”
“Não quero saber o preço da banha, quero é comer engordurado”
“Não quero saber se o pato é macho. Eu quero é ovo”
“Eu sei me vestir, falta é roupa”
“Vai com Deus que com Deus eu fico”
“O baile pra tu terminou hoje”
“A onça morreu, o mato é nosso”
“O corcunda sabe como se deita”
“Hoje eu sou a bola da vez. O espanhol gostou e estamos aqui na Lapa, no Asa Branca. Mas daqui a pouco zera tudo mesmo. E, quando zerar, acabou...”
É, Mestre. E zerou, acabou. Já são dezessete anos sem a sua música, sem o seu ritmo, sem a sua boa malandragem. Muito obrigado por ter confiado neste amigo para montar o show que acabou sendo sua última temporada entre nós. Lembro também de uma vez que nos encontramos num show no interior de São Paulo. Mestre Marçal estava apenas com Márcio Almeida, seu cavaquinho de fé e iria ser acompanhado pelo grupo da casa. Eu fazia parte da banda de Paulinho Mocidade. E nós resolvemos que iríamos acompanhar o Mestre. Ele queria pagar e quase chorou, pois não aceitamos o pagamento. Nosso cachê foi a honra de ter acompanhado Mestre Marçal. É, pena que tudo acabou.
Mas não acabou não. Com toda certeza o velho Marçal está todo prosa lá de cima ao ver sua cria honrando seu nome. Ele se orgulha de Armando Marçal, ou Armandinho ou Marçalzinho. Seu filho, considerado um dos melhores percussionistas do mundo. Que já tocou, por exemplo, com Gal Costa, com Pat Metheny, João Bosco, Jorge Vercillo. E por aí vai Marçalzinho levando a herança do pai...
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