terça-feira, 22 de março de 2011

As manhas, a voz e o folclore do inesquecível intérprete Mestre Jamelão I


O carnaval de 2011 acabou. E foi mais um ano sem o vozeirão do mestre no Sambódromo. Ele partiu em 14 de junho de 2008 e nos deixou muitas lembranças. Ele tinha manias, era ranzinza, um mau-humor histórico, mas cantava muuuito. Era, sem dúvida nenhuma, o Cara da Marquês de Sapucaí. E, além de samba enredo também tirava onda interpretando clássicos do nosso cancioneiro romântico, como por exemplo, a obra do gaúcho Lupicínio Rodrigues. Assim era o carioca da gema José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão. 

E foi em meados de 1994 que o Maestro Ivan Paulo me chamou e disse que iríamos produzir o novo disco do Jamelão. E lá fomos nós para o estúdio 2 da Som Livre para gravar as bases. Na bateria tinha o Jorge Gomes. E tocava na burocracia, bem certinho, apenas conduzindo, cheio de respeito ao mestre. Até que o Jamelão, que nunca teve papas na língua, disparou: “Mas esse baterista está muito borocochô”. Aí o Jorge largou a mão e o cantor gostou. 

Jamelão era assim, espontâneo, sincero até demais. Porém, ele sabia ser discreto. Foi assim quando o percussionista Felipe de Angola, que hoje integra a Banda de Zeca Pagodinho, gravava sua cuíca em algumas faixas do disco. Tudo ia bem até que Jamelão me chamou discretamente. Saímos da técnica e, lá fora, ele me disse: “Ô Marquinho. Deixa o rapaz tocar a cuíca dele, paga a ele, mas depois tira. No meu disco não tem cuíca”. E foi o que aconteceu. O Felipe gravou, recebeu, mas sua cuíca foi devidamente limada, apagada.

Foi incrível estar neste disco como coordenador de produção. Obrigado Ivan Paulo! Parecia mentira mas as vozes guia do Jamelão valeram. Nem precisou refazer. Ele cantava pra valer, de primeira, à vera mesmo. E ainda levava num gigantesco caderno as letras das músicas escritas de próprio punho. As letras pareciam desenhadas de tão perfeitas. E sempre com um monte de elástico presos na mão. Não era no pulso. Era na mão mesmo. E ninguém se atrevia a perguntar o motivo do estranho adereço.

Por essas e outras que Jamelão entrou para o folclore da nossa música, do nosso samba. E semana que vem eu conto como foi estar com ele na gravação do histórico DVD da Velha Guarda Show da Mangueira. Antes, porém, deixo algumas das boas frases do ranzinza mais adorável do samba:

- Não, minha filha! Não sei onde você andou com essa boca”, para uma fã que, emocionada, queria dar um beijo nas suas mãos.
- Não puxo carro. Não puxo droga nem o saco de ninguém. Sou intérprete de samba-enredo”, para quem o chamava de puxador de samba.

Até semana que vem...


Por Marcos Salles

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