terça-feira, 29 de março de 2011

As manhas, a voz e o folclore do inesquecível intérprete Mestre Jamelão II



Semana passada, escrevi sobre a honra de ter participado da produção de um disco de Mestre Jamelão, batizado de Minhas Andanças. Voltamos a nos encontrar na noite de 29 de agosto de 2005, na gravação do show que deu origem ao primeiro DVD da Velha-Guarda da Mangueira, no Teatro Municipal de Niterói. Entrei no time dois dias antes, convocado pelo guerreiro produtor da Velha-Guarda verde e rosa, o violonista Josimar Monteiro. Fiz a direção de palco e, com uma cópia na mochila levei para a gravadora Som Livre e o show virou a base do DVD, que ainda ganhou gravações de externas como nomes como Beth Carvalho, Alcione, Lenine e a Velha-Guarda do Salgueiro, entre outros nomes. E acabei fazendo a produção das imagens e o roteiro final.

Mas vamos ao nosso personagem principal, o intérprete (assim que ele gostava) Jamelão. Ele chegou e ficou quietinho num canto, na disciplina, esperando sua vez de ensaiar. Aproveitava para descansar da viagem. Vinha da capital paulistana, onde fazia uma temporada de shows. Olhando para o mestre, um repórter de um jornal. Esperava uma chance de puxar conversa e conseguir um depoimento para sua matéria sobre a gravação. Acho até que ele fez uma pergunta. E a resposta foi direta, um papo reto como dizem os funkeiros: “Pode escrever o que você quiser. Não vou dizer nada. Vim aqui porque o Josimar me chamou”. E acabou a entrevista. Sem começar, né? 

Ele ensaiou e foi pro camarim. E o show só podia começar com Jamelão pronto, pois estava na primeira música, o hino verde e rosa Exaltação a Mangueira. E o camarim fechado e o show atrasando. E a diretora do teatro nervosa. Até que eu disse pra ela: “Acho melhor esperar. É só o Jamelão que está se arrumando. E sem ele o show não começa”. Ela respirou fundo e esperou. E, com a ajuda do fiel escudeiro, Xuxu da Cuíca, ele ficou pronto, entrou no palco e arrasou. Como sempre fez. E desta vez com um orgulho diferente. Um prazer que só fui saber, uns meses depois, ao desembarcar em São Paulo para gravar o depoimento do mestre para o DVD.

E foi uma aventura. Chegamos, conseguimos um cantinho no hall do hotel, câmera pronta, luz afinada e Jamelão disse não. Isso mesmo. Disse que não foi avisado, uma tremenda confusão. Sem perder tempo liguei pro Josimar. E num bom papo ele convenceu nosso adorável mal-humorado, que subiu para se arrumar. E voltou todo prosa, de chapéu e entusiasmado para falar sobre a Velha-Guarda da Mangueira. E mudou da água para o vinho. Parecia uma outra pessoa. E disse com muito orgulho: “A minha participação com a velha-guarda é uma participação de amigo. De amigo para amigo. Aonde a velha-guarda for, se me convidar eu chego junto. Aprendi a defender a bandeira verde e rosa. A bandeira verde e rosa para mim é importantíssima. Por isso que adoro a velha-guarda”. 



Ele gostava de falar sobre sua escola: “A Mangueira, pra mim, representa assim um sacerdócio. Eu gosto da Mangueira como quem gosta de uma religião. Eu vou na Mangueira como se estivesse indo a uma igreja”, disse Jamelão com toda a sinceridade.

E Jamelão era assim, sempre sincero. Falava o que tinha vontade, sem fazer tipo. E cantava muito...

Por Marcos Salles

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não é necessária a sua identificação para enviar comentários. No entanto, lembramos que, neste blog, é proibido o uso de termos pejorativos, ofensivos ou discriminatórios.

Seu comentário está sujeito à validação dos administradores.