Mas vamos ao nosso personagem principal, o intérprete (assim que ele gostava) Jamelão. Ele chegou e ficou quietinho num canto, na disciplina, esperando sua vez de ensaiar. Aproveitava para descansar da viagem. Vinha da capital paulistana, onde fazia uma temporada de shows. Olhando para o mestre, um repórter de um jornal. Esperava uma chance de puxar conversa e conseguir um depoimento para sua matéria sobre a gravação. Acho até que ele fez uma pergunta. E a resposta foi direta, um papo reto como dizem os funkeiros: “Pode escrever o que você quiser. Não vou dizer nada. Vim aqui porque o Josimar me chamou”. E acabou a entrevista. Sem começar, né?
Ele ensaiou e foi pro camarim. E o show só podia começar com Jamelão pronto, pois estava na primeira música, o hino verde e rosa Exaltação a Mangueira. E o camarim fechado e o show atrasando. E a diretora do teatro nervosa. Até que eu disse pra ela: “Acho melhor esperar. É só o Jamelão que está se arrumando. E sem ele o show não começa”. Ela respirou fundo e esperou. E, com a ajuda do fiel escudeiro, Xuxu da Cuíca, ele ficou pronto, entrou no palco e arrasou. Como sempre fez. E desta vez com um orgulho diferente. Um prazer que só fui saber, uns meses depois, ao desembarcar em São Paulo para gravar o depoimento do mestre para o DVD.
E foi uma aventura. Chegamos, conseguimos um cantinho no hall do hotel, câmera pronta, luz afinada e Jamelão disse não. Isso mesmo. Disse que não foi avisado, uma tremenda confusão. Sem perder tempo liguei pro Josimar. E num bom papo ele convenceu nosso adorável mal-humorado, que subiu para se arrumar. E voltou todo prosa, de chapéu e entusiasmado para falar sobre a Velha-Guarda da Mangueira. E mudou da água para o vinho. Parecia uma outra pessoa. E disse com muito orgulho: “A minha participação com a velha-guarda é uma participação de amigo. De amigo para amigo. Aonde a velha-guarda for, se me convidar eu chego junto. Aprendi a defender a bandeira verde e rosa. A bandeira verde e rosa para mim é importantíssima. Por isso que adoro a velha-guarda”.
Ele gostava de falar sobre sua escola: “A Mangueira, pra mim, representa assim um sacerdócio. Eu gosto da Mangueira como quem gosta de uma religião. Eu vou na Mangueira como se estivesse indo a uma igreja”, disse Jamelão com toda a sinceridade.
E Jamelão era assim, sempre sincero. Falava o que tinha vontade, sem fazer tipo. E cantava muito...
Por Marcos Salles
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