Ana Costa |
A cantora Ana Costa, que se apresenta na Lapa desde 98, nos concedeu esta entrevista em que fala sobre O Roda (seu grupo formado apenas por mulheres), sua carreira, influências musicais, além de histórias do bairro. O bate-papo regado a muito bom humor, chope e bolinhos de bacalhau aconteceu na Adega Flor de Coimbra, na Lapa.
O Roda é um grupo formado só por mulheres (Ana Costa, Bianca Alcani e Dedé Alves). Como surgiu a idéia desse grupo?
A gente veio de uma época em que tinha muito grupo de pagode. Antes do Roda de Saia surgir houve uma tentativa de formar um grupo só de mulheres. A presidente da Unidos de Cabuçu na época acenou com essa idéia, mas foi uma estratégia de marketing. Era algo meio oportunista: fazer um grupo de mulheres. Nesse grupo a gente acabou conhecendo pessoas que não tinham nada a ver e pessoas legais. No final, quando o grupo já estava agonizando (essas coisas não vão para frente), eu conheci a Bianca, que toca comigo até hoje, é minha parceira e minha sócia. Aí começamos a fazer algo mais bacana. Ela é ligada ao pessoal do samba desde pequena. Chamamos a Marcia Viegas (que toca atualmente com o Jorge Aragão), a Manuela e a Elaine e formamos o Roda de Saia, que surgiu em 97 numa roda de samba na Rua dos Artistas (Tijuca). O grupo começou quando o que fazia sucesso era o pagode. Tinha apenas uns focos de samba. O movimento de renovação estava começando.
Qual é o lugar que você costuma freqüentar na Lapa quando não está trabalhando?
Gosto daquela área ali do Capela, do Carioca da Gema. Gosto de andar pela rua também, mas acabo preferindo um lugar onde me sinta mais protegida, que possa sentar e pedir ume cervejinha ao garçom. Coisa de quem está ficando meio velha.
Você já freqüentava a Lapa antes de começar a tocar por aqui?
Frequentava uma roda de samba nos Arcos: um pessoal do subúrbio que fazia um pagodinho embaixo do último arco. Ia também no Lapazes que tinha um esquema meio informal: eles colocavam um isopor ao lado das mesas. Não tinha essa de balde de gelo. Freqüentei também o Empório 100, que era um lugar onde os músicos chegavam e começava um samba. Não tinha nem amplificador. Era algo improvisado, tinha um charme. Nessa época as pessoas começaram a descer de Santa Teresa. Depois começou a renovação cultural da Lapa. Surgiu o Semente e o grupo Semente. Começaram a vir pessoas da zona sul, virou moda. Antigamente era mais informal, mais autêntico.
Quando começou sua carreira artística?
Na década de 80, quando abandonei um emprego em um escritório. Cantava em orquestra de baile, tocava MPB em barzinho, tive um grupo de bossa nova. Era muita ralação. Nessa época morava na baixada, em São João de Meriti.
Quais foram suas influências musicais?
Gosto da velha guarda da Portela. Comecei ouvindo isso. Ouvia também Martinho da Vila, Jorge Aragão, Beth Carvalho, pessoas com atitude. Gosto de som de baile, de funk. Tem muita coisa no funk que pode ser misturado com samba. Gosto dessa coisa quente, com alma, mas não sou pesquisadora de música.
De onde vem a inspiração para compor?
Atualmente ando sem inspiração. Há muita informação. Mas fico mais inspirada quando estou com amigos que admiro, como a Martinália.
O que você gosta de escutar em casa no seu tempo livre?
Gosto de escutar Bossa Nova (não canso), Wilson das Neves, o disco novo da Beth Carvalho. Ouço muito rádio também.
O que tocava na vitrola da sua casa quando pequena?
Meu avô tinha uns discos de Ataulfo Alves, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, mas não dava muita bola...
Já pensava em cantar nessa época?
Eu sabia que gostava de cantar, mas nunca me vi cantora. Me via instrumentista. Me apaixonei pelo bandolim. Aprendi a tocar violão de ouvido e com as revistinhas que eram moda nessa época. Quando descobri os mineiros apurei meu ouvido. Gostava de ficar escutando aquilo curtindo uma solidão (acho que todo músico gosta de curtir uma solidão). Aprendi a tocar com os mineiros.
Quando que você percebeu que podia cantar também?
Eu fazia um dueto com um cantor em barzinho na baixada e cantava uma música no show dele – “Agora só falta você” (Rita Lee). Esse cara me incentivou a cantar. Ele estava montando um grupo de bossa nova e me chamou para participar do grupo. As coisas sempre aconteceram para mim por acaso, no susto. Era muito tímida para me imaginar cantora. Além disso, sou muito exigente comigo mesma: sempre acho que não está bom, que posso fazer melhor.
Na sua opinião qual é a música que mais representa a Lapa atualmente?
Há pouco tempo atrás seria “... A Lapa está voltando a ser a Lapa...” mas já voltou a ser. Cinco anos atrás essa música era um hit. Atualmente uma boa trilha para a Lapa é “O samba é o meu dom” de Wilson das Neves. É uma música que vários músicos cantam aqui na Lapa. Antes se cantava músicas de compositores antigos, mas hoje tem muito sambista cantando compositores atuais. O Monarco, por exemplo, é um compositor que faz uma ponte entre o passado e o presente.
E qual cantor ou grupo musical que você acha que representa bem a Lapa?
A cantora que representa bem a Lapa é a Teresa Cristina e acho que ela gosta disso. O grupo Semente, que toca com a Teresa, iniciou o movimento de renovação cultural da Lapa.
Como você vê essa safra de sambistas novos?
Tem muitos músicos bons atualmente. Antigamente os músicos aprendiam a tocar no improviso, nos botequins. Hoje em dia não acontece mais isso. Quando a Lapa entrou na moda rolava muito samba de branco por aqui. Hoje há uma democratização, uma mistura maior.
Já sofreu preconceito por ser mulher e instrumentista?
No samba isso não acontece mais. Mas já passei por isso com o meu grupo que é composto só por mulheres. As pessoas às vezes olham torto para a gente, mas por outro lado somos sempre chamadas para festas em comemoração ao dia da mulher.
Onde podemos encontrar a Ana cantando na Lapa?
Canto toda sexta-feira no Carioca da Gema acompanhada do percussionista Osvaldo Cavalo, aos sábados (quinzenalmente) também canto lá e às quintas- feiras estou no Ernesto com o grupo Roda. Além dessa maratona também toco violão com Martinália.
Confira o perfil da Ana Costa no Lá Na Lapa
Marcella Linhares
25/9/2005
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